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De Leça à Tailândia sobre duas rodas



Alexandre Pascoal não acordou um dia com a ideia de atravessar continentes de bicicleta. Foi um processo que se construiu lentamente, um sonho que foi ganhando força com o tempo. A vontade começou a germinar nas palestras e festivais que assistia em Aveiro, onde conhecia viajantes que tinham deixado tudo para trás para explorar o mundo. Percebeu então que estas pessoas, que antes julgava sobre-humanas, eram afinal pessoas comuns, movidas por um desejo genuíno de conhecer e de se desafiar.

A decisão final aconteceu aos 50 anos. Amante de viagens e de bicicletas, saudável e sem restrições alimentares, percebeu que reunia todas as condições para partir. Mas o medo do desconhecido ainda o travava. Foi preciso mais um ano até ganhar coragem para pedir uma licença sem vencimento no trabalho e lançar-se ao mundo. Em dezembro, recebeu a confirmação: o seu pedido fora aceite. O ano de 2024 seria dele, sem obrigações profissionais, apenas estrada, aventura e um sonho para concretizar.

A despedida foi marcada pela emoção e pela incerteza. A família, apesar da preocupação, não teve outra escolha senão apoiá-lo. Sabiam que a paixão e o entusiasmo de Alexandre eram genuínos, e que travá-lo seria impossível. Para acalmar os que ficavam, decidiu escrever um diário de viagem, partilhando cada etapa e mostrando que estava bem, que está disponível pata leitura em  detalhada em https://345dias.com.

Os primeiros dias foram um misto de excitação e desafio. O corpo, apesar de acostumado à atividade física, ainda precisava adaptar-se à rotina intensa da estrada. Acostumado a correr e a pedalar em BTT pelas trilhas de Matosinhos, já treinava há anos sem o saber para esta viagem. Mas a resistência física não era o único obstáculo — havia também o abandono do conforto e a adaptação a um estilo de vida nómada, onde cada dia era uma incógnita.

Ao longo dos meses, Alexandre cruzou 19 países, 16 deles de bicicleta. Confiava na bondade das pessoas e, apesar dos receios iniciais, nunca teve uma má experiência. Dormia onde fosse possível, em alojamentos ou pequeno hotéis, por vezes recorrendo à sua tenda e saco-cama. Muitas vezes era acolhido por desconhecidos que viam nele um viajante cansado e ofereciam abrigo e alimento.


Foi no Médio Oriente que viveu algumas das experiências mais marcantes. Países muitas vezes retratados como perigosos mostraram-se repletos de pessoas generosas, que não hesitavam em partilhar o pouco que tinham. Convidavam-no para chá, ofereciam comida e até dinheiro, preocupados com o seu bem-estar. No Irão, um homem humilde usou um tradutor para o convidar a dormir em sua casa, garantindo que não tinha muito para oferecer além de um teto seguro. Esse gesto tocou profundamente Alexandre, que nunca esqueceria a hospitalidade e o calor humano que encontrou pelo caminho.

Nem tudo foi fácil. Houve momentos de exaustão extrema, dias inteiros sem falar com ninguém, noites em que a incerteza era a única companhia. O desafio psicológico era tão intenso quanto o físico. E então veio o pior momento: um atropelamento que o deixou caído na estrada, sem que o condutor sequer parasse. Levantou-se, avaliou os danos e seguiu viagem, mas no dia seguinte percebeu que algo estava errado. No hospital, a notícia: uma fratura incompleta na clavícula. Ali, sentiu o peso da frustração. Chorou. A bicicleta estava parada, a viagem interrompida.



Mas desistir nunca foi uma opção. Em vez de regressar a casa, Alexandre encontrou uma alternativa. Deixou a bicicleta e seguiu de comboio pelo Laos e pelo Vietname, explorando novas culturas e conhecendo pessoas fascinantes. No Vietname, inspirou-se na resiliência de um povo que enfrentara guerras e destruição, mas que continuava a sorrir e a acolher os estrangeiros com bondade. Aquilo deu-lhe forças para continuar.

Quando finalmente chegou a Ho Chi Minh (Vietname), não houve uma grande celebração. Não havia multidões, nem bandeiras, nem um momento cinematográfico. Mas havia uma sensação de missão cumprida, de transformação interior.

O regresso a casa trouxe um choque de realidade. Alexandre percebeu que já não via o mundo da mesma forma. Vendeu o carro antes da viagem, passou a andar de metro e a encarar o trânsito de forma diferente. A impaciência e o stress urbano pareciam agora irrelevantes quando comparados com as dificuldades reais que presenciou ao longo do caminho.

A primeira coisa que fez ao regressar foi abraçar a irmã. Sentia falta da família, dos amigos, do mar. Não se lembrava de um ano sem mergulhar nas águas de Matosinhos, e a comida portuguesa, especialmente o bacalhau, teve um sabor especial ao voltar.

Alexandre Pascoal ainda não sabe qual será o próximo destino. Talvez uma viagem mais curta, talvez algo completamente diferente. Mas uma coisa é certa: a estrada ensinou-lhe que os limites são ilusórios, que a hospitalidade humana não tem fronteiras e que a maior aventura de todas é simplesmente seguir em frente, um quilómetro de cada vez.



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